Como Harvard se tornou a universidade mais rica do mundo e sua fortuna lhe permite resistir à pressão de Trump
18/04/2025
(Foto: Reprodução) Donald Trump congelou mais de US$ 2 bilhões em financiamento federal para Harvard e está ameaçando retirar benefícios fiscais da instituição. Será que a universidade conseguirá suportar a pressão?
A Universidade de Harvard tem um patrimônio superior ao PIB da Bolívia e do Paraguai
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Harvard não é apenas a universidade mais prestigiada dos Estados Unidos, mas também a mais rica do país e do mundo.
A instituição tem um patrimônio (ativos próprios que investe para financiar suas atividades) de US$ 53 bilhões (R$ 308 bilhões), mais que o Produto Interno Bruto de 120 países, incluindo Islândia, Bolívia, Honduras e Paraguai.
Doações milionárias, investimentos bem-sucedidos e uma gestão rigorosa fizeram de Harvard uma instituição com recursos suficientes, em teoria, para resistir a pressões políticas e econômicas que abalariam outras universidades.
Essa capacidade foi posta à prova nesta semana, quando o presidente Donald Trump anunciou um congelamento de US$ 2,2 bilhões em financiamento federal para Harvard porque a universidade se recusou a aceitar uma série de exigências sobre como opera, recruta e ensina.
Esse ataque, somado às ameaças de retirar isenções fiscais e proibir a admissão de estudantes estrangeiros, é visto como parte de uma ofensiva mais ampla contra instituições educacionais de elite que Trump destacou como bastiões de ideias progressistas e de esquerda.
De qualquer forma, enquanto outros cederam às ameaças do presidente, Harvard seguiu firme.
Trump X Harvard
'Harvard é uma zombaria, ensina ódio e estupidez e não deveria mais receber financiamento federal', postou Trump
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A Universidade Harvard está no centro de uma batalha política sem precedentes com o presidente Donald Trump, que recentemente ordenou o congelamento de US$ 2,2 bilhões em bolsas e US$ 60 milhões em contratos para a instituição.
O presidente anunciou a medida depois que Harvard se recusou a cumprir uma série de exigências do governo que, sob o pretexto de combater o antissemitismo, incluíam mudanças nas políticas acadêmicas e de contratação e admissão.
O presidente de Harvard, Alan Garber, rejeitou publicamente essas condições e defendeu a autonomia intelectual da universidade: "Nenhum governo, independentemente do partido no poder, deve ditar o que as universidades privadas podem ensinar", escreveu ele em uma mensagem à comunidade universitária.
Em resposta, Trump intensificou seus ataques, alegando que a instituição sediada em Boston "ensina ódio e estupidez" e "não merece mais receber financiamento federal".
O presidente também ameaçou retirar o status de isenção fiscal, um privilégio universitário que economizou a Harvard cerca de US$ 158 milhões em impostos sobre propriedade em 2023, de acordo com estimativas da Bloomberg.
"Isso seria ainda mais grave. Instituições de ensino superior não pagam imposto de renda ou imposto predial, e os doadores também recebem deduções fiscais, o que incentiva as doações. Perder essa isenção seria um sinal de alerta para todo o sistema universitário e teria um efeito inibidor", disse Steven Bloom, vice-presidente assistente de relações governamentais do Conselho Americano de Educação, que representa 1.700 universidades, à BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
As tensões aumentaram ainda mais quando o Departamento de Segurança Interna, liderado por Kristi Noem, ameaçou Harvard na quinta-feira (10) com a retirada de sua permissão para matricular estudantes estrangeiros — atualmente mais de 27% do corpo estudantil — se não enviasse um relatório sobre as supostas "atividades ilegais e violentas" de alguns de seus alunos.
Especialistas ressaltam que esse conflito não é um incidente isolado.
Trump intensificou recentemente seus ataques a instituições de ensino superior, que ele acusa de promover uma agenda progressista, e ameaçou repetidamente cortar o financiamento público para aquelas que ele acredita que censuram vozes de direita ou permitem protestos anti-Israel.
O presidente Donald Trump anunciou um congelamento de US$ 2,2 bilhões em financiamento federal para Harvard
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Desde que os protestos pró-palestinos começaram nos campi de todo o país em 2023 por causa da guerra em Gaza, estudantes judeus relataram se sentir inseguros, enquanto outros permaneceram neutros ou se juntaram às manifestações.
Harvard respondeu com concessões, como suspender programas acusados de preconceito anti-Israel e resolver dois processos de antissemitismo sem admitir culpa, mas rejeitou consistentemente a interferência do governo Trump em sua gestão interna.
Harvard tem quase 350 anos de história
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Como Harvard construiu sua fortuna e quais restrições enfrenta
Com uma dotação de US$ 53 bilhões, Harvard é a universidade mais rica do mundo, superando em muito outras universidades da chamada Ivy League, como Yale, Columbia e Princeton.
Esse capital, que constitui o coração financeiro da instituição, foi construído ao longo dos séculos por meio de doações e investimentos privados.
"Não aconteceu da noite para o dia; é um processo longo. Harvard existe há quase 350 anos. Eles demonstraram uma tremenda capacidade de atrair apoio. Ex-alunos, doadores e muitos outros têm se dedicado profundamente à instituição", explica Steven Bloom.
Os protestos pró-Palestina em Harvard têm sido recorrentes desde 2023
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O Harvard Endowment funciona essencialmente como um fundo mútuo composto por vários outros fundos, cada um sujeito a condições específicas impostas pelos doadores.
Este fundo investe e gera retorno: em 2024 foi de 9,6%, e no ano anterior foi de 2,9%.
E embora essa seja uma quantia astronômica, mais de 80% dela é legalmente restrita a usos específicos, como bolsas de estudo, cátedras, pesquisas médicas, programas acadêmicos ou auxílio financeiro.
"Muitas pessoas não entendem o que é uma doação. Elas pensam que é como uma conta-corrente, mas, na verdade, não é possível sacar dinheiro de um cartão de débito para qualquer finalidade", diz o representante do Conselho Americano de Educação.
Bloom ressalta que a universidade "pode ser processada se não gastar o dinheiro de acordo com as instruções do doador".
Além disso, uma parcela considerável de seu orçamento (cerca de 16%) depende de verbas federais, alocadas principalmente à pesquisa científica.
Pode resistir sem ajuda do governo?
Então, como o corte de US$ 2,2 bilhões no financiamento federal afetará Harvard?
Sem a capacidade de usar livremente seus ativos, a universidade teria pouco espaço de manobra em uma emergência orçamentária, de acordo com Bloom.
Além disso, há restrições legais sobre o valor que pode ser sacado do fundo patrimonial a cada ano: "No ensino superior, é comum não gastar mais de 5% ao ano, e alguns Estados até restringem ainda mais. Se você só puder usar 5%, precisará de US$ 40 bilhões em fundos irrestritos para cobrir US$ 2 bilhões em despesas", explica.
De qualquer forma, Harvard desenvolveu nas últimas décadas um sistema financeiro sólido que, a princípio, lhe permitiria enfrentar situações difíceis sem muitas complicações.
A instituição desfruta de um superávit de US$ 45 milhões, uma classificação de crédito AAA, US$ 61 bilhões em ativos líquidos e investimentos e acesso a uma linha de crédito rotativo de US$ 1,5 bilhão, de acordo com seus últimos relatórios financeiros.
Assim, especialistas apontam que Harvard pode facilmente recorrer a financiamentos de curto prazo ou emitir títulos, o que lhe permitiria preservar sua liquidez sem recorrer diretamente ao fundo patrimonial.
Harvard tem 24.596 alunos matriculados neste ano e 20.667 empregados em todos os departamentos, incluindo os docentes
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Mesmo assim, se a pressão do governo persistir, um período de incerteza poderá começar.
"Durante a pandemia, Harvard e outras universidades bem financiadas conseguiram aumentar temporariamente seus gastos com doações, mas isso não é sustentável a longo prazo", explica Bloom.
E se a isso se somasse uma possível perda de isenção fiscal, ele alerta, o panorama ficaria ainda mais complicado.
Por que uma universidade rica recebe dinheiro público?
Harvard também é uma das universidades mais caras do mundo: mensalidades e taxas excedem US$ 79 mil por ano, um valor bem acima da média dos EUA.
Se ela recebe uma quantia significativa de renda de mensalidades, bem como doações de organizações e indivíduos, por que também precisa de fundos públicos financiados pelos contribuintes?
Primeiro, nem todos os alunos pagam por isso: a maioria das famílias de baixa e média renda tem acesso à educação gratuita ou subsidiada.
Estudantes de famílias que ganham menos de US$ 85 mil por ano não pagam, e aqueles cuja renda está entre US$ 85 mil e 150 mil contribuem com no máximo 10% de sua renda anual.
Harvard destinou mais de US$ 850 milhões em ajuda financeira em 2023, em grande parte coberta pela renda gerada por seu fundo patrimonial.
Parte dos fundos públicos financiam a pesquisa em hospitais vinculados a Harvard
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Por outro lado, especialistas ressaltam que a contribuição do governo federal é crucial para a instituição, principalmente na área de pesquisa científica e médica.
"Os fundos federais não vão cobrir o custo da mensalidade, mas sim apoiar sua enorme atividade científica e de pesquisa, como a de muitas grandes universidades", observa Bloom.
O especialista ressalta que grande parte desses fundos nem vai diretamente para Harvard, mas sim para hospitais afiliados, como o Hospital Geral de Massachusetts, que são legalmente independentes e lideram pesquisas sobre doenças como câncer, AIDS e transplantes de órgãos.
Ele argumenta que a relação entre o Estado e as universidades não se baseia em uma simples lógica de subsídios, mas em uma parceria público-privada que há décadas permite avanços científicos fundamentais para a sociedade.
Assim, ele conclui, eliminar permanentemente esse apoio seria um golpe não apenas para Harvard, mas também para os programas nacionais de pesquisa que dependem dessa infraestrutura acadêmica.