Como cruz passou de instrumento de tortura a símbolo de fé cristã

  • 18/04/2025
(Foto: Reprodução)
No início, os seguidores de Jesus se identificavam por meio do contorno de um peixe. A adoção da cruz como símbolo religioso aconteceria muito tempo depois. Hoje, os cristãos usam a cruz como símbolo religioso, mas inicialmente rejeitaram o instrumento em que Jesus morreu Getty Images "E, levando a sua cruz, saiu para aquele lugar, chamado Calvário e, em hebraico, Gólgota, onde o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio." A passagem do Evangelho de João será mais uma vez parte fundamental dos cultos religiosos realizados nesta Sexta-Feira Santa (18/4) em igrejas ao redor do mundo, onde milhões de fiéis vão participar da adoração à cruz. ✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp O rito, por meio do qual os fiéis reverenciam ou beijam uma imagem de Cristo crucificado colocada aos pés dos altares das igrejas, serve para relembrar a morte de Jesus nas mãos do Império Romano, e faz parte da liturgia católica há mais de 1,5 mil anos. Mas o instrumento no qual o carpinteiro de Nazaré, nos arredores de Jerusalém, foi executado nem sempre foi objeto de veneração por seus seguidores, tampouco usado como símbolo cristão. LEIA MAIS O que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu? O que os historiadores dizem sobre a real aparência de Jesus Ponto de vista: por que é importante saber que Jesus não era branco Paixão de Cristo: como foi a morte de Jesus, segundo a ciência Para os judeus, a pena de crucificação era abominável não apenas por causa da crueldade, mas também porque a vítima era humilhada ao ser exposta nua em público Getty Images Uma lembrança sinistra e dolorosa Nos primeiros séculos após a morte de Jesus, seus seguidores não se identificavam com a cruz. Nas catacumbas romanas, onde eles realizavam cultos escondidos da perseguição religiosa, não foram encontradas imagens de cruz, e as representações encontradas do messias mostram ele vivo, repartindo o pão na Última Ceia, ou já ressuscitado, mas nunca agonizando ou morto na cruz. Segundo Cayetana Johnson, arqueóloga da Universidade Eclesiástica de San Dámaso, na Espanha, os primeiros cristãos não usavam a cruz como símbolo "por uma mistura de medo e vergonha". "Para os judeus praticantes, entre os quais estavam os primeiros seguidores de Jesus, a crucificação era algo escandaloso", ela explica à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC. Encenação da Paixão de Cristo entre Goiânia e Trindade tem 33 anos "Esta forma de execução era abominável, e uma verdadeira vergonha, tanto pela maneira como era realizada — porque os corpos dos prisioneiros tinham que ser completamente despidos e, uma vez mortos, eram jogados em uma vala comum —, mas também porque quem a executava era um governante estrangeiro", acrescenta. "A cruz era sinônimo de morte retumbante", observa Johnson, lembrando que a prática não consistia apenas em pregar a pessoa em uma viga de madeira para sangrar e sufocar até a morte, um processo que podia levar horas ou até dias, mas que antes o prisioneiro era forçado a carregar o patibulum (barra transversal superior da cruz) até o local da execução. E para evitar que fugissem, os prisioneiros eram acorrentados à viga de madeira. Os romanos obrigavam os condenados à crucificação a carregar parte da cruz na qual seriam pregados Getty Images A especialista lembrou que, devido à brutalidade e crueldade, a prática era reservada a inimigos do Estado e criminosos perigosos, e era usada como punição e advertência. "Para os romanos, estava claro que exibir o crucificado era uma maneira de dizer à população conquistada: não se rebelem, não se revoltem, nem se oponham ao império", explica. No século 1 a.C., após reprimir uma rebelião de escravos liderada por Espártaco, as forças romanas crucificaram cerca de 6 mil prisioneiros ao longo da Via Ápia, que levava a Roma, de acordo com o historiador Plutarco. Mas esta forma cruel de execução não foi uma invenção romana — ela foi pega emprestada de outras culturas, como a assíria e persa, e aperfeiçoada. As primeiras comunidades cristãs usavam a silhueta de um peixe como símbolo Getty Images Homenagem ao pescador de homens O primeiro símbolo do cristianismo foi a silhueta de um peixe, mais especificamente dois arcos cruzados. Isso se reflete nos escritos de Santo Agostinho de Hipona e Tertuliano, dois padres da Igreja Católica. Mas por que este animal? "Porque no grego antigo, a palavra 'peixe' se escreve ichthys, que também é o acrônimo de Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador", explica à BBC News Mundo Diarmaid MacCulloch, professor emérito de história da igreja no St Cross College da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Joan Taylor, professora emérita das origens do cristianismo na Universidade King's College London, diz que o símbolo também foi escolhido por sua conexão com os ensinamentos de Jesus. "O peixe evoca seu interesse pelos pescadores [vários de seus discípulos eram pescadores], e também por milagres como a multiplicação dos peixes que ele realizou durante seu ministério na Galileia", ela observa. "Venham comigo, e eu farei de vocês pescadores de homens", disse Jesus aos seus seguidores, de acordo com os Evangelhos de Marcos e Mateus. O imperador Constantino incentivou o uso da cruz pelos cristãos depois de ter tido uma visão Getty Images Em termos semelhantes, Johnson lembrou que "nas primeiras representações orientais da Última Ceia, geralmente há dois peixes sobre a mesa, e não o cordeiro, como acontece agora". No entanto, a professora da Universidade Eclesiástica de San Dámasco apresentou outros elementos que explicam a decisão dos primeiros cristãos. "O peixe é um símbolo muito antigo, especialmente para os povos com uma forte relação com o mar, em particular com o Mar Mediterrâneo. Era um símbolo que representava a fertilidade e os ciclos da vida", ela acrescenta. Por sua vez, Santo Agostinho de Hipona, em seus escritos, esclarece melhor por que esse animal foi o símbolo escolhido pelos primeiros cristãos, e afirma que os seguidores de Jesus eram como os peixes que se escondiam nas águas em busca da verdade escondida à vista de todos. "Nós, pequenos peixes, segundo a imagem do nosso ichthys, Jesus Cristo, nascemos na água", escreveu Tertuliano. Há mais de 1,5 mil anos, os católicos veneram imagens de Cristo crucificado nas Sextas-feiras Santas Getty Images A visão que mudou tudo O imperador Constantino 1° (280-337) não só teria sido responsável pelo fim da perseguição aos cristãos e pela legalização de sua fé no século 4, como também por tornar a cruz o símbolo desta religião. "Diz-se que quando Constantino estava se preparando para lutar contra seu rival, Maxêncio, na Ponte Mílvia, nos arredores de Roma, ele viu uma cruz no céu e escutou uma voz que dizia: 'Com este sinal, você vencerá'", lembra Taylor. "O imperador mandou então pintar a cruz nos escudos de seus soldados, e venceu a batalha. A partir de então, ele a utilizou militarmente, e também como símbolo pessoal em suas moedas, e ordenou que fosse colocada no topo das igrejas", acrescenta. A historiadora inglesa esclarece, no entanto, que o símbolo não era a cruz que conhecemos hoje, mas uma combinação de duas letras gregas: Ji (representada como um X) e Rro (representada como um P), que são as primeiras letras da palavra grega Christos (Cristo). MacCulloch e Johnson afirmam, por sua vez, que antes da intervenção imperial, a cruz já havia sido adotada pelos cristãos como parte de seu simbolismo. "Padres da Igreja, como São Justino Mártir, no século 2, começaram a reinterpretar a cruz, argumentando que ela representava toda a ordenação de Deus no cosmos, porque tem quatro direções, representando os pontos cardeais e os quatro rios que fluem do Éden, de acordo com o livro do Gênesis", diz Johnson. "No século 3, Minúcio Félix, um romano convertido ao cristianismo, observou que os romanos achavam os cristãos loucos por venerar alguém que havia sido julgado e condenado à pena de morte romana." A partir da Idade Média, as imagens de Cristo crucificado se tornaram cada vez mais sangrentas Getty Images Esta versão é corroborada por Joanne Pierce, professora de estudos religiosos no College of the Holy Cross, nos EUA, que citou o caso do chamado grafite de Alexamenos, uma ilustração encontrada em um muro do Monte Palatino, em Roma, na qual se vê uma figura crucificada com cabeça de burro. "O cristianismo era proibido naquela época no Império Romano, e alguns o criticavam por considerá-lo uma religião para tolos, e tentaram ridicularizá-lo", ela escreveu em um artigo publicado, em 2020, no site de notícias acadêmicas The Conversation. "Mas para os cristãos, a cruz tinha um significado profundo. Eles entendiam que, com sua morte na cruz, Cristo 'completou' sua missão, e que sua ressurreição, três dias depois, era o sinal de sua 'vitória' sobre o pecado e a morte", acrescentou a especialista. Foi também o imperador Constantino quem confiou à sua mãe, Helena, a tarefa de encontrar a cruz onde Jesus morreu em Jerusalém, e a notícia de que ela supostamente a encontrou, no local onde hoje fica a Basílica do Santo Sepulcro, contribuiu para a ressignificação do símbolo. O processo de adoção da cruz como símbolo pelos cristãos levou tempo, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem Getty Images Pouco a pouco O fato de o imperador ter proibido a crucificação como forma de pena de morte, no ano 337, foi outro fator que facilitou a reinterpretação da antiga arma de execução pelos líderes religiosos. No entanto, a arqueóloga espanhola explica que o processo de incorporação do símbolo levou tempo. As primeiras cruzes eram "delicadas, decoradas com pedras preciosas e não tinham elementos sangrentos". "A partir do século 6 que começaram a aparecer as imagens de Cristo crucificado, mas elas eram serenas, sem feridas nem sangue, e ele estava vestido como um sacerdote ou um rei", ela acrescenta. "Foi na Idade Média, repleta de guerras, de peste e problemas religiosos, como a Reforma Protestante e a Contrarreforma, que as imagens de Cristo crucificado se tornaram cada vez mais duras e sangrentas, como as que são vistas nas procissões espanholas." Mais de dois milênios depois dos acontecimentos em Jerusalém, a cruz se tornou o símbolo indiscutível da religião fundada na crucificação do carpinteiro de Nazaré. O que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu? Como morreu Jesus, segundo a ciência Páscoa: por que ovos e coelhos são símbolos da data?

FONTE: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/04/18/como-cruz-passou-de-instrumento-de-tortura-a-simbolo-de-fe-crista.ghtml


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